terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Primavera à flor da pele


“Não busque a felicidade fora, mas sim dentro de você,
caso contrário nunca a encontrará.”
Epiteto

A janela aberta moldurando o jardim para enfeite do concreto cercado de muros. Os jornais anunciavam a primavera. Divulgavam a criação de flores transgênicas mais perfumadas, mais suaves ao toque, mais coloridas e menos efêmeras. O anúncio noticioso deixou João inspirado a consumir ainda mais a produção dessa estação mais imaginária do que sazonal.

Percebida uma leve mudança no tempo, João aparentava não estar tão fechado assim, Dália puxou assunto com o colega de trabalho. Fazer as horas correrem mais rápido. Conhecer o desconhecido, seu vizinho, mesmo quarteirão e rua, há mais de uma década. Sentia-se um pouco antiga por ter pensado isso, apesar de não ter trincado, melhor dizendo, não ter ainda 30 anos de idade.

- E aí, João? Tudo bom?

- Olá, Dália. Na mesma. A primavera começou, mas nem sei por que eu estou falando isso com você.

Um sorriso exalava-se suavemente da boca de João. Seria sinal de timidez? Quem se importa, o importante para Dália era adubar o assunto e ver o que iria florescer depois. Perder tempo, sem problema, alguns minutos tinham que ser mortos para o cumprimento das cinco horas diárias de serviço. O contracheque pagava o equivalente a seis.

- Huuum... O que tem a primavera? É uma estação linda, né? Momento de amor, dos enamorados...

Dália esboçava uma expressão sonhadora, estava pensando no noivo. Brilho forte nos olhos, algo lindo de se ver.

- Acho que primavera é primavera e nada demais. Amor é sentimento fingido pela realidade humana. Todos sabem disso, mas preferem se iludir.

- Vai ver você tem fé e não quer acreditar que a tenha para nunca mais amar de novo. Já ouvi falar sobre isso não sei aonde. Normal.

Anormal para João. Mas faltava ele explicar o quanto sentia a solidão abraçá-lo dia e noite. Um inverno de espera longa, longa demais, eterna. A rosa esmagada por passes de tango. Faz parte da dança. Suar pelos poros em vez dos olhos. Regras sóbrias de conduta de um dançarino técnico, sem paixão.

- É, Dália, no fim tudo passa! Inclusive nosso expediente. Até amanhã!

- Até amanhã, João!

Por isso, Yasmim mudou-se do bairro... Deve ser chato demais ter que suportar esse ânimo opaco e pessimista do João. Não há casamento que sobreviva, mas ele já tinha que ter superado há anos esse ocorrido. Ficar cultivando as flores da ex-esposa para sonhar com o aroma dela pela casa. A felicidade depositada num passado murcho... Momentaneamente, os pensamentos de Dália foram podados. Ela percebeu que ainda não tinha saído do escritório.


Imagem: Delicate Duo - Brandon Hoover

Um comentário:

  1. Gostei muito amor, gostei do jogo de palavras, achei muito interessante as colocações sobre flores, primavera e da dança...
    achei muito boas, foi uma leitura gostosa que nos faz querer mais.

    meus parabens Amor
    te amo
    linda
    bjao

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