terça-feira, 30 de março de 2010

O bem sempre triunfa mesmo no final?*

Nos debates da sociedade, o caso Nardoni gerou intensa expectativa. O público, que acompanhou o desenrolar dos fatos até o fim, comemorou a sentença de prisão do casal.

A vida de Isabella foi brutalmente interrompida, mas, com a punição dos réus, muitos diziam que “a justiça foi feita”. Assim, propagou-se a crença de que o bem acabou vencendo o mal.

Porém, mesmo com o julgamento dado por encerrado, a indignação ainda paira no ar. Por mais que o sistema judiciário, nesse caso, mostrou-se eficiente, a morte da criança é um mal que nunca será apagado na vida daqueles que a amaram.

Enquanto isso, diariamente, existem muitos outros casos à espera de solução. Várias crianças e adolescentes são condenados a morrer de fome, à prostituição, não aprendem os valores de uma educação de qualidade, convivem com a violência, mendigam por um troco para sobreviver à vida marginalizada.

Então, que atitudes éticas nós tomamos para que essa situação não continue? O que temos a declarar? Ou o silêncio da omissão vai responder por nós e triunfar?


*Texto publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 12 de abril de 2010.

sábado, 27 de março de 2010

Vozes por vezes vazias

Vozes lá fora. Fantasias de uma noite de carnaval que não terminou. Só você não percebeu que isso não tem como me enganar. Enganar de forma tão na cara. Então, se quiser, continue com a máscara.

Vozes que por dentro não dizem nada de essencial. Doença sintomática da falta de personalidade. Sonhos com o mesmo rosto, o mesmo silicone, o mesmo corte.

Fale. Vamos lá. Faça um convite para o faz-de-conta. Faz de conta que estou em suas mãos, meus olhos são a plateia que lhe dão total atenção. Faz de conta que eu não sou sensível, logo meu coração é seu sentimento de posse. Eu lhe deixo com todas as suas ilusões egoístas. E vou embora sem, ao menos, ter ficado neste lugar.

O jogo não deu certo. No campo da oralidade, estratégias vazias funcionam com pessoas ocas. Sem joguetes, busco ser o meu melhor. Posso beijar a sua dor e trocá-la em outra substância de rima... O livro do que represento está com as páginas abertas, mas os hieróglifos são difíceis de decifrar.

domingo, 21 de março de 2010

Dois em um

Raridade poder ter esta certeza. Estou certa do porquê sinto isto por você. Não farei projeções de como as relações construídas por nós vai ficar. Independe da condicionada condição de mutabilidade dos seres e das coisas. Ouso em me aventurar no que desconheço. A profundidade me atrai a querer descobrir seus tesouros.

Você me inspira às perfeitas aspirações. Ser mulher. Ser homem. Deságua em alguma síntese de afinidade entre gêneros opostos. Seus traços não se restringem aos traços que demarcam a extensão do tangível. Compreender todas as sensações que seu ser transmite ao meu não é fácil. A harmonia exprimida se torna algo além do campo visual. E mesmo assim, um desejo em me manter passiva à contemplação.

Eu para você. Como deve ser? O mistério do que sou paira no ar. Estende-se pela musicalidade da voz, na suavidade e maciez da pele dourada. Nas curvas escorregadias, indecifráveis e imagináveis. Sentir a mente em meditação durante um espaço finito de tempo em que se encontra no paraíso. Ser irrefreavelmente guiado pelas emoções. Gozar da efemeridade da vida. A vontade irremediável a todo existir humano.

Um ponto de encontro é necessário. O início já foi dado. O fim já começou. Estaremos juntos se tivermos o mesmo pleno desejo um pelo outro. E reiniciaremos tudo de novo.  

segunda-feira, 8 de março de 2010

Gêneros, tipos e escolhas

“Eu sou homem, pelo grosso no nariz.” Se eu fizer uma inferência desse verso, da canção e do autor da mesma, é pouco provável que o cantor e compositor Caetano Veloso tenha feito uma ode às características biotípicas do que seja um macho “autêntico”. Temos que olhar o contexto como um todo para podermos ter uma visão mais abrangente dos fatos expostos no explícito e no implícito.

Um homem não se faz homem em qualidade por ser o tipo aparentemente mais heterossexual. E quando refiro a heterossexualidade não é pura e simplesmente quanto ao campo da causa genética e/ou orientação de um indivíduo. É heterossexualidade quanto à aparência mais próxima do mito do homem “machão”.

Não se pode ficar se arrumando demais, cuidar da saúde, do visual, se não você é taxado de “gay”. O machão pega muitas mulheres para mostrar que é o pegador, a espécime “alfa” da parada. Isso me lembra os instintos primitivos remetentes à época do surgimento dos primeiros hominídeos... mas continuando. Mulher “tá dando mole” não pode deixar passar. Se você, no papel de homem, acha a guria um pé no saco, mas ela sendo muito atraente, você tem que pegá-la de qualquer jeito. Andar para trás nessas horas, já sacou, né?! Pessoal vai tirar onda, falar que “tá boiolando”. Aí, paramos para pensar, pelo jeito, nos parâmetros do senso comum, um homem se faz, basicamente, pelo contexto sexual.

Polidez, inteligência... Não, essas qualidades acabam não sendo as medidas para a grandeza de um homem de verdade. Heitor, homem de sensibilidade estimável, motivo de risada, principalmente, para aqueles que acham que isso é algo, coisa, de mulher.

é amiga dele. Garota gente fina, cheia de personalidade, estilo. A moça queria colorir as coisas entre eles, se é que meia palavra basta, se jogando com tudo. Alguns meses depois, ele era, às vezes, poltrona dela. Ou um urso de pelúcia. O cabelo um pouco grande e com cachos definidos era como se fosse pelo de gato recebendo afago. Cão gosta de morder o quê? Heitor sentia-se, de leve, osso também.

Foi jogado um banho de água fria. De forma mais educada possível para evitar contrangimento e tristeza à amiga pretendente a ser affair. Jô vive o dilema da água mole em pedra dura e jura que o posicionamento de Heitor ainda fura. Moldar vai ser com o tempo. Cada um com suas causas. A batalha continua.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Darling, não veja tanta novela!

Não se finja de inocente
Darling, como você pode acreditar?
Romance tão indecente!

Acha mesmo que ele vai lhe dar
Mil um tipo de presente
Tirar-lhe do “pobre” lar?

Você sonha conforme muitas
Um cara rico, bonito
Com nome composto
Isso é ser romântica, você conta

Se você coisificou o seu amor
O príncipe coisificará a sua amada!
Tratando-a como uma bela boneca
Bela boneca inflada

Cara colega, não fique sem graça
Nada é de graça
Depois dessa
Faça o que quiser com a moral
Do conto de fadas da burguesia

Happy end!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Uma composição da noite

Sensação levemente doce de que enfim encontrou-se alguém que possa compartilhar uma porção de momentos, assuntos e sentimentos mútuos, que de tão parecidos poderiam ser um. Tâmira não acreditava até agora em meus sentidos empíricos.

O Sol estava a morrer no sexto dia de outra semana. O piano se cansara da compulsão em perfeição de notas cheias de vigor e sensibilidades alheias. Tocou Fiona Apple, tentando, não em vão, relembrar a alma feminina, residente nas entranhas, mãos, ouvidos. O coração não sorria. Algo na alma se mantinha ausente.

Fora dos meus aposentos, o vento gélido cortando o rosto, Tâmira quis um vinho para distrair o paladar. De relance, viu um jovem rapaz sozinho no estabelecimento que ela acabara de adentrar. Parecia estar a muito tempo a espera de algo.

Uma beleza singela aquele homem transmitia. Traços delicados, rosto desprendido de esforço para ser lapidado. Ela ofereceu uma modesta companhia. Ele, com um sorriso labial discreto, consentiu, e ofereceu um dos assentos ao lado.

Troca de palavras. Não ermas e guiadas como nas falas de um roteiro de uma novela qualquer. O tom era sublime. As pausas, sem constrangimentos. Estavam chegando a determinados campos sem afetação. A verdade nos olhos davam poucas opções. Mentir era um boicote a eles mesmos. Contemplaram, assim, a estranha familiaridade.

O rapaz confessou: “Não esperava mais nada até você me oferecer esta esperança. Eu aceitei de bom grado, não se preocupe.” Olhavam-se alegres, em seguida, flautas doces de gargalhada. Nem tudo precisa ser dito para ser concebido.

Dia seguinte. A Lua nova sustentada na abóbada prateada. Os poucos fantasmas da mente de Tâmira se dissipavam. O Sol ainda iria nascer. Escutava uma música que antes não existia e sempre esperava ouvir. Sintonia da sinfonia composta naquele momento.