domingo, 25 de abril de 2010

A visão pós-humanista de Edgar Franco* - Parte I

Por Marielle Sant’Ana


Edgar Franco é um artista multimídia e tem experimentado criar trabalhos para suportes hipermidiáticos, batizando essa linguagem híbrida de quadrinhos e hipermídia de “HQtrônicas” (histórias em quadrinhos eletrônicas), cuja pesquisa foi desenvolvida em seu mestrado. Um de seus trabalhos, intitulado “NeoMaso Prometeu”, recebeu menção honrosa no 13º Videobrasil – Festival Internacional de Arte Eletrônica (Sesc Pompéia/2001). Sua pesquisa de doutorado “Perspectivas pós-humanas nas ciberartes” foi premiada no programa “Rumos Pesquisa 2003” do Centro Itaú Cultural, em São Paulo.

Para entendermos o pós-humano e o entrelaçamento deste tema com a arte, segue a entrevista concedida, via correio eletrônico, pelo professor e artista Edgar Franco:


Marielle Sant’Ana: O conceito do termo ‘humano’ remete-se ao próprio homem enquanto ser biológico. ‘Pós-humano’ refere-se a algo além do humano, isto é, a extensão da natureza, o homem, em junção com a tecnologia, a máquina. Como surgiu o seu interesse pelo pós-humano na arte?

Edgar Franco: O termo pós-humano é motivo de muitas controvérsias e definições diversas. A compartimentação e corporativismo das áreas acadêmicas acabam por gerar muitas visões divergentes sobre o que pode vir a ser o pós-humano. Na verdade, o termo foi inventado pelo intelectual norte-americano de ascendência egípcia Ihab Hassan em um ensaio publicado em 1977 na Georgia Review intitulado Prometeus as Performer: Toward a Posthumanist Culture. O autor acreditava que esse neologismo poderia ser usado como mais uma "imagem do recorrente ódio do homem por si mesmo". A definição de pós-humano que mais me interessa é a que trata de uma possível ruptura na compreensão tradicional do que consideramos "humano" a partir das mudanças de ordem física e cognitiva que os processos hipertecnológicos - como biotecnologia, nanorobótica, nanoengenharia, prostética, conexão em rede, robótica e realidade virtual - estão produzindo em nossa espécie e de uma perspectiva de aceleração dessas mudanças.
    As artes narrativas tradicionalmente já discutem a hibridação do humano desde o início da expansão tecnocientífica. O primeiro romance de ficção científica da história, Frankenstein, da autora inglesa Mary Shelley, já tratava da criação de um ser que mixava partes de muitos outros humanos para sua criação, e era um produto da ciência. Talvez esse seja um dos precursores da concepção atual de pós-humano. No cinema, monstros híbridos humanimais ficaram notórios também, como nas adaptações do célebre romance "A Ilha do Dr. Moreau" de H.G. Wells, um trabalho fenomenal que antecipou experimentos recentes da tecnociência como a criação da primeira ovelha transgênica que inclui 15% de genética humana.
    Enfim, acho que o meu interesse pelo universo do pós-humano nas artes vem da infância, desde quando comecei a fascinar-me pela literatura, HQ e cinema de FC (Ficção Científica). Mas não é só nas artes narrativas que o pós-humano tem gerado trabalhos contundentes, também artistas da chamada ciberarte têm utilizado inclusive de tecnologias como transgenia e robótica para fazerem reflexões sobre a condição pós-humana, como Stelarc que implantou uma terceira orelha em seu braço esquerdo, e Eduardo Kac que produziu uma coelha transgênica fluorescente e objetivava transformá-la em seu animal de estimação.
    Sou adepto da ideia de que os artistas funcionam como "antenas da raça" - uma concepção do genial teórico da comunicação canadense McLuhan - ou seja, os artistas têm essa capacidade de vislumbrar o porvir e esse é um dos papéis fundamentais da arte no seio da cultura ocidental. Infelizmente, poucos compreendem essa importância seminal da arte e ela continua sendo vista como "adereço" pela maioria dos setores da sociedade. E não confundamos aqui cultura de massa, feita para alimentar a indústria do entretenimento com arte.

Edgar Franco em foto para o projeto musical Posthuman Tantra

MS: Quadrinhos como o ByoCiberDrama e Transessência, além do projeto musical da banda Posthuman Tantra são alguns de suas manifestações artísticas que se inspiram no pós-humano. De que forma este conceito estrutura sua arte?
EF: Minha obra multimidiática tem sido estruturada, desde 2000, sob o leque de um universo ficcional transmídia chamado de "Aurora Pós-humana". Esse mundo de ficção científica evoluiu muito no período de minha pesquisa de doutorado em artes na USP e foi inspirado pelos artistas, cientistas, tecnólogos e filósofos que refletem sobre o futuro da espécie humana a partir de suas relações com os processos de aceleração hipertecnológica. Também sou influenciado pelos reflexos do pós-humano na cultura pop, com o surgimento de filmes, animações, etc., e de seitas como a dos Extropianos, Transhumanistas, Prometeianos e Raelianos. Estes últimos, por exemplo, crêem na clonagem como possibilidade de acesso à vida eterna, nos alimentos transgênicos como responsáveis futuros pelo fim da fome no planeta, e na nanotecnologia e robótica como panacéia que eliminará o trabalho humano, liderados pelo pseudo-guru Raël, um hedonista que constrói todo seu discurso a partir das previsões mais otimistas da cência.
     Nesse caldo fervilhante de polêmicas, previsões e vivências, surgiu, ainda no ano de 2000, o germe desse universo poético-ficcional que posteriormente batizei de "Aurora Pós-humana". A idéia inicial foi imaginar um futuro, não muito distante, onde a maioria das proposições da ciência & tecnologia de ponta fossem uma realidade trivial, e a raça humana já tivesse passado por uma ruptura brusca de valores, de forma (física) e conteúdo (ideológico/religioso/social/cultural). Esse universo foi batizado inicialmente de "Aurora Biocibertecnológica"; um futuro em que a transferência da consciência humana para chips de computador fosse algo possível e cotidiano, onde milhares de pessoas abandonarão seus corpos orgânicos por novas interfaces robóticas. Imaginei também que neste futuro hipotético a bioengenharia teria avançado tanto que permitisse a hibridização genética entre humanos e animais, gerando infinitas possibilidades de mixagem antropomórfica, seres que em suas características físicas remetem-nos imediatamente às quimeras mitológicas. Finalmente imaginei que estas duas "espécies" pós-humanas tornaram-se culturas antagônicas e hegemônicas disputando o poder em cidades-estado ao redor do globo enquanto uma pequena parcela da população, uma casta oprimida e em vias de extinção, insiste em presevar as características humanas, resistindo às mudanças.
    Dessas três raças que convivem nesse planeta Terra futuro, duas são, o que podemos dizer, pós-humanas, sendo elas os "Extropianos" (seres abiológicos, resultado do upload da consciência para chips de computador) e os "Tecnogenéticos" (seres híbridos de humano e animal, frutos do avanço da biotecnologia e nanoengenharia). Tanto Extropianos, quanto Tecnogenéticos contam com o auxílio respectivamente de "Golens de Silício" – robôs com inteligência artificial avançada (alguns reivindicam a igualdade perante as outras raças) e "Golens Orgânicos" – robôs biológicos, serventes dos Tecnogenéticos. A última raça presente nesse contexto é a dos "Resistentes", seres humanos no "sentido tradicional", raça em extinção, correspondendo a menos de 5% da população do planeta.
Ilustração por Edgar Franco

    Este universo tem sido aos poucos detalhado com dezenas de parâmetros e características. Trata-se de um work in progress que toma como base todas as prospecções da ciência e das artes de ponta para reestruturar seus parâmetros. A partir dele já foram desenvolvidos uma série de trabalhos artísticos, em diversas mídias e suportes, atualmente outras obras estão em andamento.
    “ByoCiberDrama" é um álbum de quadrinhos que traz a história de um resistente. Ainda nos quadrinhos tenho a série de gibis "Artlectos e Pós-humanos", com HQs curtas que se passam no contexto de meu universo ficcional. O terceiro número, lançado em 2009, recebeu o Troféu Bigorna de melhor publicação Brasileira de Quadrinhos de aventura. No campo das narrativas híbridas, tenho as HQtrônicas (HQs eletrônicas), "Neomaso Prometeu" (Menção honrosa no 13º Festival Videobrasil), "Ariadne e o Labirinto Pós-humano" e "brinGuedoTeCA 2.0". No campo da web arte, tenho o site de vida artificial "O Mito Ômega" (www.mitomega.com), trabalho a série de ilustrações híbridas chamada de "A Era Pós-humana". Criei no ano passado a instalação interativa "Immobile Art" e, finalmente, tenho o projeto musical sci-fi ambient "Posthuman Tantra" que é contratado da gravadora Suíça Legatus Records e estará lançando nesse ano seu segundo CD oficial. Todos esses trabalhos envolvem aspectos diferenciados do universo ficcional da "Aurora Pós-humana".

*Edgar Franco é arquiteto pela UnB (Universidade de Brasília); Mestre em Multimeios pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Doutor em Artes Plásticas pela ECA/USP; e professor da FAV- UFG - Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Poeta Geraldo Pereira e a homenagem

O poeta goiano Geraldo Pereira em seu livro Pescando Versos Graúdos em Águas Goianas(2009) realiza uma homenagem poética a vários autores goianos (Emílio Vieira, Ester Casimiro, Gilberto Mendonça Teles), dentre eles, eu. Eis a transcrição da pescaria poética que o Poeta pescou nas minhas obras Verso e Reverso (2003) e Muito mais... (2005):

E a Poetisa MARIELLE SANT’ANA,
Com seu Verso e Reverso, constrói o Universo
Com Muito Mais... mente sana.

Ela não quer nada mais do que dar um “Sentido” à vida,
Não almeja mais do que viver a vida
Guiada pelo amor, na mais perfeita sintonia
Com a poesia: “A vida foi feita para viver,
e pra viver tem que ter vontade
”.

De bem com a vida a Poetisa não finge, sente,
Não mente o que sentem coração e mente.
E o seu sentir dá sentido aos que não sentem.
Ela diz: sentem aqui que vou iluminar os seus caminhos
Para seguirmos juntos, guiados pelo brilho da poesia!
Mas, primeiro, põe todos a pensar:
- “Qual é o sentido da luz? /O sentido da luz é bem simples:
É só ter amor no seu interior, / Pois a luz é o próprio amor
”.

O amor é lente de alto alcance,
Amplia a visão dos olhos e do coração
- “E quando surge o amor, / eu fico assim:
sem achar nada, / eu acho tudo
”.

Não obstante o caos, o cão a ladrar nas veias do mundo,
Com seus sentimentos poéticos ela metamorfoseia a dor em amor
E nos mostra que “O mundo é uma arte
E “Na arte expressamos tudo:
Desde os nossos sentimentos / A nossa visão de mundo,
Como é bom sonhar e voar / E a vida retratar!


E se o mundo fermenta no seu seio a guerra,
E amamenta a humanidade, a terra, com horror,
Ela nos indica o caminho com “Muito mais...” amor,
Com muito mais paz:
A paz é muito mais do que bandeiras brancas,
(...) / A paz depende de nossas ações:
(...) / é muito mais do que palavras bonitas,
é muito mais do que textos e poemas”; “paz é você que faz
”.

E como “Navegar” é “Preciso” e viver é mais que preciso,
Precisamos sonhar e viver. Construir o mundo,
Navegar no oceano dos sonhos e não viver num sono profundo.
Mesmo que, na realidade, a realização do sonho
Seja como “A procura de um agulha no paiol,
Em uma caça às cegas
”, a Artista vai à luta,
Pois sabe o que quer: “Almejo os raios do sol
Que a manhã não me nega
”.

Os seus “Versos normais” são “Só amor”.
São versos compostos para preencher o “Vazio” e aquecer o frio.

Ela navega no oceano do seu “Ser
Na “Busca ideal” da “Liberdade”:
Irei contra o estabelecido / Buscando o ideal”;
Não é a forma que importa, / E, sim, a liberdade de pensar”.

Do “Espelho” da sua alma ela reflete a essência da vida – Poesia:
O sentido da vida é ter amor...
Amor no que pensa, amor na ação,
Amor no que fala, amor no coração
”.

Dentre os seus “Pensamentos importantes
Estão os de se ter “Amizade de verdade
E muito “Amor...” para toda a humanidade:
A mor é o sentimento
M ais maravilhoso,
O mais belo, o mais sublime e
R adiante na vida
”.

Assim são os seus “Sonhos de criança”:
Os sonhos de criança / São simples esperança”.

sábado, 10 de abril de 2010

Sentindo pelos olhos

- Morena, você levou meu coração... Tô apaixonado!

Ao ouvir aquela frase, Raíssa ficou incrédula. Ok, nem tanto por se tratar de um ambiente de festa. Se fosse somente por causa da criatividade ousada de falar algo tão batido, a mensagem era algo de tocar um ser sensível, não de afeto, mas de fúria. Ela queria levar o coração do sujeito para torrar no Sol sozinho.

Com um olhar clínico, dá para supor o que aquele rapaz do qual não se sabe o nome pensou antes da cena premeditada: “Olha que fruta mais linda! Rebolando cheia de... Nossa, o que faço para chamar a atenção?”.

E conseguiu chamar a atenção para o quanto ele pode ser um idiota. Passando a ideia de que sentimentos se constroem pelos olhos; logo, aparentar beleza é fundamental. Azar o dele, Raíssa tem outra visão.

domingo, 4 de abril de 2010

O que ressuscitamos na Páscoa


Quatro dias de feriado. Famílias se (re)encontram. Consumimos ovos de chocolate que contenham brindes ou não, calóricos ou light, são tantas opções! Comemos peixe, mas há também aqueles que se enveredam por algum churrasquinho. Outros que saem para a farra, beber algumas cervas e otras cositas más. Tudo isso porque domingo é Páscoa, aquele dia, sabe, que se comemora a ressurreição de Jesus Cristo...

Pensando sobre o porquê um homem (que poderia ser uma mulher também numa visão não-machista) se proporia a morrer, ideologicamente, pela humanidade, reflito em repostas que surgiria na lata por alguns pressupostos e lógicas da Bíblia “O destino de Jesus já estava traçado nas escrituras porque ele é o filho de Deus”.

Só que pensar na proposição do livro sagrado dos cristãos me leva, particularmente, a certos questionamentos: se somos filhos de Deus de fato, por que não fazemos nenhuma ação de extrema doação ao próximo? Por que não conseguimos conter os nossos desejos para que vivamos o hábito de atitudes virtuosas? Se só Jesus consegue, isso nos dá o parecer que só Ele tem um poder divino, comprovando a sua ligação filial com o Pai celestial. Assim, precisamos esperar a ressurreição Dele para que possamos ver a encarnação de um ser de extrema bondade e compaixão.

Refletindo ainda sobre o ato de Jesus, tendo, para isso, um novo viés de concepção, creio que quando amamos muito alguém a ponto de querer o bem dela, podemos fazer autossacrifícios por vontade própria. Por sabermos que não somos perfeitos, perdoamos as imperfeições do próximo. Colocamos no lugar do outro e o entendemos tantos nas características boas e ruins, aceitamos e amamos a essência dele, a essência humana que também reside em nós. Quando universalizamos esse amor a todas as pessoas do mundo, podemos entregar a nossa vida por elas.

Mesmo não agindo como cristãos, a Semana Santa, para muitos fiéis, reacende a fé em dias melhores mesmo que eles nunca cheguem. É a busca da força na imagem de Jesus, porque não se busca a força para lutar em si mesmo, colocando todo o peso do fardo das existências na cruz que Cristo carregou (e ainda carrega). Dessa forma, se torna mais fácil a aceitação “racional” das vidas embebidas pelo vinho, sangue do filho de Deus, da graça (ou de graça?). É a entrega a uma representação de amor perfeito e universal para se livrar da consciência de todo os males concebidos no cotidiano. O egoísmo deixa tudo mais difícil para lutarmos e sermos bons com/para o próximo. Muitas vezes, caridades são feitas não para ajudarmos de fato alguém, mas para pensarmos que somos do Bem.

Não é questão de uma crença religiosa dogmática, porém acredito que todos temos uma centelha de Deus em nós. Quando mais se busca o ensinamento do "Conhece-te a ti mesmo", a gente compreende não só o que somos, mas também o ser humano. Jesus conheceu a si mesmo e buscou viver o próprio caminho de vida. Ciente de todos os problemas que enfrentaria, viveu a verdade contida Nele.

Eu procuro viver meu próprio caminho, crescer e cooperar com aqueles que já não estão presos ao ego: um pequeno grão que na solidão tem prazo curto de existência. Então, quero junto com esses poucos buscar a sabedoria em nossas essências, viver e contemplar a beleza residente no outro que se encontra em mim também. Ousar se for preciso para viver uma vida livre e digna, fazendo a nossa parte, cooperando em uma sociedade melhor a todos. Ajudar as consciências que, mesmo sabendo da árdua caminhada, desejam realmente despertar para o eterno.

Não é fácil melhorar o que somos. Todos os dias são necessários para a realização desse intento. É uma sorte certas pessoas entrarem em nossas vidas e, assim, de forma mais desprendida dos nossos egos, amar o próximo por completo, com defeitos e qualidades inerentes a qualquer ser humano, amá-lo em comunhão com o nosso ser. É uma felicidade podermos comungar um amor divino com o outro. É esse sentimento que devemos ressuscitar não somente em datas especiais.