quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Roupas brancas

- Sinceramente, não há mais nada démodé que vestir tendências que não comunicam o seu próprio estilo.

Com uma costura invisível, Eliana estampava sua verdade logo de cara. Estilista, sabia desenhar seu íntimo em moda. Cada peça de roupa e um mundo à parte. Quanto às cores de suas formas, bem, nada parecido com aquele poema bobo e infantil de Cecília Meireles que ela tinha lido no primário. Sentia sua inteligência subestimada com tanta borboleta. Por isso mesmo, a jovem preferia dar asas a imaginação com a ausência de cores.

Orlando gostava daquela gótica alternativa. “Por quê?” Essa pergunta sempre estava na cabeça de Mia, treinada para ser uma boa garota. Bons modos, centrada, nível universitário, cosia tanto com “s” quanto com “z”. Prendada. Bonita também.

Odiava o modo de falar daquela a quem apelidou de "morceguinha", conversando sobre assuntos que uma boa moça não falaria. Afronta aos bons costumes?! Condenável?! Beleza contrastante... Mia admitia que a estilista tinha lá sua áurea própria, sem se importar com pensamentos alheios. Eliana era sincera, como ninguém poderia ser. Consigo mesma.

Característica de quem nasceu livre para voar. Ela escolhia o néctar que desejasse. Voava ao encontro do que lhe dava vida. Não precisava sugar de ninguém para tirar proveitos financeiros. “Independência é tudo”, dizia. Mesmo com um pouco de insegurança, Eliana não deixou de flertar Orlando. Ele aceitou destemido. O sonho de porto seguro de Mia era o mar de outra. O amar dela.

“Os dois se merecem”, concluía a patricinha mimada. Deu a batalha por vencida. Não sabia o quê, mas Mia queria modificar algo nela. Então, para que as coisas no próximo ano fossem diferentes, vestiu suas costumeiras roupas brancas de Revéillon.  

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Diariamente brasileiro

Acordei. Desci. Comi. Saí. Essa é a rotina de um trabalhador da grande metrópole. Trabalhar pra gastar a vida. Isso não quer dizer que ela é ruim. As pequenas coisas neste cotidiano a transforma em felicidades isoladas.

Acordei. O relógio não despertou, estou atrasado pra pegar o ônibus e vou ouvir poucas e boas do chefe. O chefe parece um leitão a pururuca: cabeça chata como todo bom cearense; barriga avantajada como todo bom português; e uma bunda empinada como todo mau gaúcho. Ele é uma coisa estranha mesmo. E daí? A figura disforme dele me lembra o Tiririca. Fico rindo desta coisa na minha mente maquiavélica. (risos)

Desci. Moro num barraco no alto do morro do Macaco da Bunda de Fora. Moro exatamente no centro do morro, pra ser mais exato, no centro que liga as duas bundas (para um bom entendedor, meia palavra basta). Desço todos os dias em meio a tiros e papelotes de nhacoma, é uma maravilha. Vocês pensam que estou sendo irônico? Mas nada melhor do que brincar com os problemas da vida. Fica mais interessante e, no meu caso, bem irônica mesmo. A vida como um videogame: winner ou game over? Não levando um head shot tá bom demais.

Comi. É, isso acontece de vez em quando, nem sempre tenho o que comer. Às vezes, farinha com água, às vezes, filé mignon ao molho barbecue. Depende muito da minha imaginação no dia.

Saí. Sim, saí mesmo e devo voltar só umas 11 horas da noite. Em meio a mais tiros e papelotes, só que agora com um bônus: garotas de programa também! Eita, horário nobre!

Tem gente que sente pena, tem gente que ri. Mas o problema é que tem gente que finge que não vê isso por de trás de uma mesa, dentro de um terno. Pra me conhecer, basta ir à região mais pobre da sua cidade. Sou apenas mais um trabalhador da grande metrópole, miserável, mas também a pessoa mais feliz do mundo. Por quê? Porque sou brasileiro e não desisto nunca. Diz a propaganda do governo nacional.

Eu sou feliz porque posso ver sonhos maiores do que minha própria condição.
Autores:
Guilherme Gondim
Marielle Sant'Ana

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Uma boa dança

Passo a passo. Não preciso de precipitações bobas e tombos desnecessários. Olho para trás para poder descrever essas palavras dançantes entre folhas.  Falando, desse jeito, pareço ser calculista? Engane-se quem puder.

E, assim
, vou dando risadas das projeções dignas de poemas românticos, pois o desejo se torna irreal em demasiada idealização. Posso até ver as cores cintilantes de sua dor. O seu grito não é mais profundo que meu silêncio. Se ainda julga-me insensível, não posso mesmo acompanhar você, querida criança.

A minha história se mistura com a de várias pessoas. As mais diferentes e iguais possíveis. Nesse meio tempo, também estava me conhecendo. Além do que se vê. Construí esse olhar distante em outros tempos, é verdade. Se visualizasse só problemas, os sonhos não seriam sonhos.

Você acreditaria se eu falasse que, depois de certo tempo, encontrei o que eu sou? E depois de ter me encontrado pude ver a outra parte que me falta também? Na realidade, nós sempre estamos nos buscando.

Agora, não me fale sobre a sorte. Esta palavra pouco vai ser útil. Oportunistas, acredito que sejam essas pessoas ditas por sortudas.

Depois de tudo, entre precipitações e tombos, estou aproveitando o ritmo da vida para uma boa dança. E nada mais.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Relógio de parede

- Você me entende?

Se a amiga balançasse afirmativamente a cabeça para demonstrar que tinha entendido a história de Camila, seria mais um esboço vazio de compreensão. Mas, se demonstrasse o contrário, os sentimentos poderiam ser feridos. Entre o sim e o não, Amanda preferiu o “mas é lógico!”.

Camila dizia que estava amando. Mais uma vez? Se ela tivesse descrito de forma muito minuciosa, falando detalhe por detalhe de cada característica do novo boy, Amanda mudaria de canal, porque Lagoa Azul pela enésima vez não dava.

- Pois é, que da hora, boa sorte então!

Disse Amanda à recém-apaixonada. De um desejo de felicidade para um olhar desconcertante. Camila abaixou a cabeça, olhou para um lado. O relógio marcava 4 e 25 da tarde. Horas exatas para um momento impreciso.

- Vai com tudo, linda, é só não ter medo! Se tudo der errado, bem... Se tudo der certo, amém!

Para Amanda, amar era uma questão de coragem, sem ter medo de ser feliz. Uma teoria, aliás, que ela mesma não botava em prática. Porém, como estava mesmo fora da situação, seus palpites pareciam adequados.


O celular de Camila tocou. Esperava que fosse seu amado Tiago na linha, mas era só mais uma mensagem de cobrança da Oi. Nem tinha como ser diferente. Ela nem sequer estava adicionada no perfil de Facebook de Tiago. Só que o temor antecipado era tanto que causava sofrimento a Camila antes mesmo de alguma coisa acontecer.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Infinito

Atomicidade que passa em flashes nos glóbulos
que perpassam fluente o material e o etéreo
Substância
O construtor se integra na solitude da viagem
de ser o que se entrega na plena união de inteiros
Unidade
O centro sem cessar de movimentar/repousar
flui no que atrai e encontra o que lhe atrai
Essência
O caos ao redor deixa de coisificar dor para ser 

a música interior que lá fora soa superfície
Harmonia
Divisas de linhas interligadas nas vozes
em inconsciente consciência de desmonte aos montes
Nós
Dois lados são a mesma moeda da manifestação
do que importa/exporta no valor que possui
Sentido
Deus desmancha a aparência da criação
A criação cria a ação da dimensão do que tudo é

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Silêncio não quer nos dizer nada

Atos ignorados de pessoa inexistente
Não pode existir o que não se conhece.

Machuque o que não se ama
São apenas seres humanos
Esqueça sempre da sua essência
Para não ter vinganças de espelho.

A vida banalizada
O assassino não esperava o mesmo fim
Prova da fraqueza do ego
Ferido pelo próprio tiro
Escorrendo todo o seu vermelho.

Construções melhores e mais nobres
Poderiam ter sido feitas
Em todo caso
O que nos resta agora...

Silêncio.