segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Oração imperceptível


Uma folha branca. A neve a surgir, mostrando algo que continuaria sendo uma paisagem. Em outra cor. Ele disfarçava a palidez do seu rosto ficando, irremediavelmente, com frio.

O inverno começando. Ryan preparou o instantâneo leite com cereais. Branco, gelado e deliciosamente nutritivo. Sabor de nada, porque nem o paladar queria dar o ar da graça numa hora dessas. Então, o que restava era respirar fundo e engolir com tudo os flocos molhados e a manhã de domingo.

Vinha, pela frente, uma bolacha pequena de wafer, em formato redondo e sem recheio nenhum, a hóstia com vinho tinto. Antes ouviu o quanto o inferno é horrível, quente, insuportável. Quase o clima de Goiânia em setembro. Por morar em trópicos não-tropicais, Ryan não saberia. E, para completar, o habitat de corrupção e imoralidade humana era descrito assim: um lugar cheio de prazeres sensoriais e que por ser tão desejável ao homem, ser o condenável. Mas, com os desejos controlados, o mortal politicamente correto poderia se permitir o sonho do eterno paraíso.

Aquele senhor gesticulador e chamador de atenção, com oratória cheia de julgamentos ácidos, demonstrava a dor que a humanidade iria enfrentar se persistisse no erro de uma vida errante. Se alguém é o crítico, é porque se supõe que ele saiba do que está falando.

Ryan olhava para fora da janela centenária. Várias folhas iam sendo pintadas de branco. A neve caia nas árvores. Tranquila e branda. Dava para sentir um sorriso. Oração imperceptível aos sentidos humanos. Quando o tinteiro permanece vazio, a pena descansa.


Imagem por Wilson Bentley


X x X x X


Não costumo mostrar minhas inpirações, mas acho que esse vídeo mostra um pouco do que quis transmitir no final do texto e não (des)escrevi.

http://www.youtube.com/watch?v=B7oZYznHulU&feature=related

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Armação da arte


Venha o corte neste ato!
Que se manche no asfalto
De vermelho tomate
Este é meu tapete!

O palco está armado
O sangue derramado
Agora, o artista é amado
Pela plateia de alcateia

Assim, é a arte: é arma
Ouse desafiar
Afie seu discurso retaliador

Porém, é melhor se render!
Sobreviver não é vida
É sobra de vida.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Visão de curto alcance


Tanto menos se sabe, tanto maior é o sofrimento.
Dostoiévski

Alguns desenvolvem de maneira quase inata o necessário para estar no hall da fama. O grande lance de ganhar visibilidade. Receber sobre si o olhar da maioria, mostrando as raízes do divertimento humano. Então, o palco para os freak shows e afins está armado. Tem que ter criatividade, pois a plateia se entendia fácil, fácil.

Para se ter ideia, hoje em dia, aparecer com melancia na cabeça é coisa ultrapassada. Os glúteos em forma de melancia é que é chamar a atenção. Difícil é lembrar o nome da garota prodígio disso. São questões sem questionamentos.

Neste panorama, surge outra resposta que não tem pergunta. Sem dúvidas, ser reconhecido por uma grande massa de desconhecidos se fazia o desejo mais íntimo de Leônidas. Ele nunca conseguiu seus 15 minutos de fama. Quem seria o louco de ceder espaço na mídia para um personagem tão sem graça?

“Hoje, vamos contar a incrível história do rapaz que, aos 30 anos, teve que cuidar sozinho, pela primeira vez, da casa na qual reside com os pais. E o pior, a viagem do casal para Fernando de Noronha durou cerca de quase uma semana. Muito tempo de solidão para o nosso bravo guerreiro da modernidade!”

Diante do evento que acabamos de exemplificar, como diria uma personalidade de repercussão paranormal: Esso non ecziste! Uma narrativa dessas, ao passar em qualquer veículo mediador dos interesses ditados pelo público, é o mesmo que pedir para queimar dinheiro.

Leônidas, o desconhecido, não compreendia a existência dele próprio, mas, se tivesse o status de famoso, acreditava que, num passe de mágica, a felicidade surgiria à vida monótona que tinha. Outra coisa que ele não compreendia era o processo para a formação de um símbolo idolatrado. Colocava a culpa no destino, na sorte. Se o Boninho não queria que ele fosse o próximo brother do BBB, o jeito era se conformar com a impiedosa seleção natural das celebridades. Quem enxerga limitado não pode ir além das barreiras, fazer o quê.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Curta-metragem


- Você está linda, Cristina! Arrasou!

Que boa amiga se mostrava Joana. Mensagem de motivação. Mas, isso não seria o suficiente, mesmo Cristina usando a romântica correntinha. O coração de prata se destacava, harmoniosamente, com o decote frontal. Um pingente muito bonito consideraria algum homem oportunista olhando para outros motivos de palpitações. E mesmo com toda essa corrente de pensamento positivo, grandes decepções estariam por vir. Na verdade, tudo não passa de más interpretações. Essa é que é a verdade.

Vão as duas amigas, Cristina e Joana, à procura de noites mágicas de diversão. Momentos efêmeros, sim, afinal, a vida é curta mesmo. Cada uma das jovens tinha sua própria forma de sentir o pulsar das baladas embaladas por música, às vezes sem, às vezes com Lua, bebidas etílicas e afins. Dependia da fase.

Quase uma da manhã. Joana já tinha dançado tanto que já se sentia perdoada por ter comido o hambúrguer de 50 calorias a mordida. E a outra companheira de guerra, bem, deu um perdido na galera. Bom, mas, é por isso que existem câmeras... Entende, por que, geralmente, eu aparento saber de muita coisa do que relato? O que não vem ao caso agora. Conclusão, alguém tinha achado Cristina até bem demais.

Todo este conto de fadas filmado teve a duração de quase 15 minutos. Cristina só podia olhar, passivamente, a promessa de príncipe virando sapo. Ele acabava de roubar um beijo de 10 segundos em mais uma da mesma espécie. O anfíbio alfa, depois disso, foi pegar mais um drink, já que tinha derramado o anterior por causa do empurrão vergonhoso que recebeu da moça durante os “se vira nos 30”.

O que nossa princesinha Cris não sabia é que príncipes não costumam ter nobreza em noites solitárias de boemia. Palavras manjadas. E no romance, ilude-se a tola que queira ouvir as mentiras como se fossem verdades. E na paixão, ilude-se o tolo que vive pelas mentiras que fala. Tipos comuns vivem o mesmo filme quase sempre. Trocam os artistas, porém os personagens continuam.