sábado, 29 de janeiro de 2011

3 poemetos no 4º



Memória inconsciente

Sonhei
Por que lembrei
logo no sonho
que você não está

Vivo?


Toma dor!

O poeta
Domador
Doma a dor
Também
Ele tem por
Dom a dor
Escrita
Sentido!
Ditador.


Seu vazio é meu

A minha língua bebeu
Vácuo do céu
E preencheu seu
Espaço molhado, breu

Vazio mel
Vazio meu.



Imagem: O quarto - Vincent van Gogh

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Tesouro nunca achado, mas também nunca perdido

No geral, as pessoas lhe eram más sem motivo. Não era bela, nem feia, normal. E a normalidade causava mal-estar a muitos, uma espécie de ressaca. Dava para ver em seus olhos. Ser assim é difícil, gera inveja aos estranhos, porque o objetivo que se esconde é a aceitação social. A aceitação pessoal própria de gostar daquele jeito de sorrir quando alguém parecia suficientemente idiota em comparação com a maioria, pérola rara para adornar o seu brilhantismo. Poucas conchas contêm esse tesouro. E assim, Ester interiorizava o mundo ao seu redor.

No lar, os pais lhe passavam transparentes. Altos e baixos, como os movimentos da maré, o jeito humano de se viver a vida. Esse movimento a filha não aceitava ter que conviver e refletir. Queria a praia, o mar, o Sol sempre ligado, as ondas sempre prontas para o banho, o sal no peixe frito, mas não no cabelo oleoso, o vento de leve para soprar a pele, água de coco num estalar de dedos, às vezes, bijuterias de ambulante.

No colégio, poucos mereciam sua amizade. Perder tempo com gente que não iria lhe ser útil depois, desnecessário. Porém, havia uma determinada concessão para que seu coração ficasse mais receptivo a aceitar todos: redes sociais virtuais. Oportunidade, caindo na rede, mais peixe para se juntar ao cardume de amigos.

No banco da calçada, sentada. Oceano a sua frente, vasto e profundo. Ester estava enjoada de ficar parada tanto tempo tendo essa visão de mar. Nenhum pirata veio roubar sua joia. O seu corpo abarcava fantasmas. A pérola que ela tanto se vangloriava para si mesma não vinha de nenhuma partícula impura. Ela era somente concha.


Imagem: Cena do filme "A Lenda do Tesouro Perdido 2"

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

S.O.S.: Senhor Observando Solidão



“Aqui me despeço e tenho por plenamente ensinado o teu ofício,
que de ti mesmo e em púrpura o aprendeste ao nascer.”
Carlos Drummond de Andrade


Sem claustrofobia criativa, os dois pintores foram ver o dia dourado, azul e quente lá fora. Larissa preenchia o céu. Faltava um terço para terminá-lo. Com um pouco de fé, acabaria com ele, o fundo implantado por sua angélica árvore de tinta acrílica. O quadro branco de Michael ficou pronto em 4 segundos.

– Ei, seu louco! Você acabou com a minha blusa! Eu mereço amigos pirados mesmo...

– Uh, Lalá! Você se tornou minha obra-prima! Tenho que admitir que nunca antes na história eu havia pincelado de forma tão precisa, determinada e vermelha em único movimento! Adoro!

– Não me diiiga? Sério Mike? Você me chamar de Lalá desde a vitória do Lula na presidência, tudo bem. Acredito que este apelido se tornou uma espécie de mantra artístico positivo para mim. Mas não justifica você pintar de vermelho minha blusa branca de laise rendada! Eu gastei horrores com ela!!!

– Tsc, tsc... Estressadinha! Eu fiz um bem para você. Acorda para a vida, flor! Está faltando isso em sua arte!

– Isso o quê?

– Está faltando vida, Lalá! Você jura que sugar a vida de uma árvore e colocar na tela limpa e seca com esse azul turquesa pavoroso de fundo tá fazendo arte de verdade? Se for para retratar a realidade plasticamente assim, seja transparente consigo mesma, e aprenda a bater uma fotografia!

– Mike, Mike... Sempre querendo dar uma de modernete. Essa sua tendência conceitual é ridícula! Até meu sobrinho de 3 anos supera você!

– Duvido que ele não esteja ainda compreendendo cognitivamente o vasto mundo ao redor dele. O que fiz em sua roupa foi me expressar. Doar simbolicamente meu sangue na extensão do seu corpo. Pare de idealizar o céu, Lalá, pois ele é ilusioramente azul. As noites por si só comprovam isso.

Michael observava a visita amiga. Não sabia decifrar suas expressões, porém tinha impressão da profunda tristeza esboçada no rosto dela.

– Enquanto me limitava em não misturar o vermelho com o azul, Lalá, eu nunca pude enxergar a intensidade da cor púrpura. Eu suponho que você não está entendendo o que eu quis dizer tanto quanto não entendo do porquê do meu ego doentio até hoje não doar literalmente meu sangue para salvar alguma vida.

– A gente se preocupa demais com os nossos próprios problemas, Mike. Eu gostaria de não tê-los, pois estão em um nível insuportável. Minha saúde não é plena, sinto dores que nem a minha alma sabe explicar em gravuras. Sinto-me muito sozinha.

– Se isso dependesse só de mim... Já me conformei que meu corpo é imperfeito e se deteriora a cada dia que passa. Marilyn Monroe, apesar da beleza, o que ela é hoje no Westwood Memorial Park? Restos mortais todos nós viraremos por mais artistas que sejamos.

– Você me ajuda muito pouco, Mike. Cada palavra sua me deixa mais desesperada. A sua companhia não me preenche. É sempre ausência! Que droga!

– Lalá, estou me esforçando ao máximo doar minhas energias para você melhorar. E a minha bateria ainda está no up! Porém, para a minha companhia ser digna, você tem que salvar a si mesma da solidão. O príncipe de sangue azul não vai vir lhe resgatar nessas horas. Se você leu isso na Branca de Neve, Bela Adormecida e afins, esqueça! Saia das ilusões e se joga pintosa! Vermelho com branco dá rosa, combinação mais tudo! E ainda combina com lilás...

– Ai, eu não nasci com sorte no amor, só pode ser isso. As comédias românticas são tragédias na minha real life.

– Gata, seja homem e mulher para você mesma! Não seja a donzela indefesa, pegue logo a espada e duele contra sua própria dor! Força na piruca e arrase! Tudo o que sentimos é criação.

– Mike, realmente eu não entendi nada. Vou terminar minha tela, já que a sua ficou instantaneamente pronta.

A cada matiz de azul, a idealização ficava mais forte e o sonho da mortal mais próximo da imortalidade e, ao mesmo tempo, distante da vida. A obra de Michael virou uma mancha sem sentido descartada para a caridade. Alguém agradecia solitariamente à Deus pela divina doação recebida.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Por trás das franjas lisas e pretas


Naquela época, a tribo franja no olho apareceu. Os cabelos lisos e pretos nem que fosse a base de química, ferro quente e outras atrocidades capilares. Mulher e homem confundiam-se em número, grau e, principalmente, em gênero. Ambiguidade, androginia, bissexualidade, homossexualidade, parecia moda da estação. Beijos entre miguxas para demonstrar o carinho sentido uma pelas outras. Os miguxos também logicamente. Trocas de afeto travestidas, às vezes, por aceitação grupal. Com peças de outras tribos, montavam seu próprio avatar, mescla de gótico, All Star, patricinha, listras de marinheiro e meigas caveiras. Nada de novo, crianças gostam também de impressionar os pais, quem sabe ter atenção deles, quando a fase infantil não foi superada pelo descaso dos seus genitores. Converteram as horas reservadas para o abraço em dinheiro para seus filhos.

Por que a tristeza depressiva nesses corações feitos de simbologias como esta: S2? Borrar o lápis nos olhos é sensibilidade. Cara, não dá para ver a minha dor na superfície da cara? E todas as tribos dispersas, nesse momento propício, uniram-se para acabar com o core dos emos. Chamar uns caras de viadinhos ou vergonha do rock é algo bem cool, sociável e aceitável pelo meio, até o punk, considerado pelos conservadores undergrounds como uma escória musical, pode ter seu dia de Queen rebaixando um ser que no máximo vai chorar passivamente pela violência a qual não sabe se defender. É bom para um ego que precisa se autoafirmar, já que a sociedade como um todo renega um som que é taxado como satânico, fora a periculosidade das drogas e sexo livre. É pauleira mesmo. O preconceito coletivo e inconsciente.

Nesses dias de perigo, encontrava-se a nipo-descendente Elena. Gostava das suas raízes culturais hibridadas por quase um século com a brasileira e conectada com os processos de globalização e consumo. O espírito ávido por novidade a fazia se encantar com o mundo em cada silêncio explorado.

Um sonho estranho sempre cutucava seu cérebro. Odiava as músicas românticas por serem distantes do seu sentir, a inalcançável perfeição não idealizada em suas pretensões pessoais. Um som tranquilo, suave e relaxante lhe dava o sono da bela entediada. Sua angústia traduzida em nenhum idioma. O que ela desejava, mas não se materializava logo? Foi então que Gerard Way entrou em cena.


Assistindo a MTV na casa de sua avó, ela viu e ouviu o que há tanto tempo vinha sonhando. Será que esse vocalista é do Good Charlotte? A coincidência parou no cabelo preto e liso. A sonoridade com progressividade elétrica e fluída, o vocal relativamente limpo, sem gritarias agudas ou graves, cheio de emoção e expressividade do espírito que se rasga em verdade e sofrimento atraiu, irremediavelmente, a telespectadora. Algumas lágrimas saíram do controle.


Helena, essa foi a primeira música que conheceu da banda My Chemical Romance. E antes de traduzir todas as letras do inglês para o português, se reconheceu na descrença das pílulas milagrosas do catolicismo para continuar vivendo e convivendo harmonicamente com as uniões materialísticas de Barbies e Kens. Gostou da crítica social feita a um sistema pouco sensível em valorizar o indivíduo quanto humano, a não ser que esse pague por isso. Das memórias inesquecíveis e para sempre lembradas até o fim ser incinerado. Restando os fantasmas do passado registrados em fotografias. Sem medo de chegar até o fundo do precipício se preciso fosse para buscar o Eu em si.


Assumir que gostava dessa banda, tarefa nada fácil. Os rótulos carimbavam o rosto do primeiro que se autodeclarasse fã de My Chemical. Emo! Emo! Ah, você é mulher... Ema! Ema! O que é ser emotional, Elena perguntava para Jean que a taxava assim, sem mais nem menos.

– Você saca, emo é aquele que tem cabelo preto e liso, franja na cara, gosta de My Chemical. Você é emo, tá vendo?

– Eu estou vendo que você é um tapado que mal sabe do que está falando. Acha que o mundo é feito de estereótipos, então, vamos lá! E esse brinquinho, você é gay por acaso?

Elena riu da sátira irônica que falou aceita pelo seu colega de classe como uma verdade aparente para ser desmentida. Ele que a todo custo queria chamar atenção das garotas para sua virilidade heterossexual demonstrada no alargador de orelha. O resultado é secundário.

– Para com isso, eu sou muito macho! Tanto que convido você para tomar umas cervas no bar ali da esquina depois que acabar a aula por minha conta. Você é uma garota bonita, gosto dos seus olhos puxadinhos. Sabe que eu tava de zuação naquela hora, vamos?

– Obrigada pelo convite, mas não preciso do seu dinheiro para você se sentir um homem, ainda ouvir sertanejo em boteco, tendo que aceitar suas drogas lícitas e massivas. Para você me beijar depois somente? Estou seletiva o suficiente com meus 16 anos. Aceite isso como um fora!


A garota olhava para si, uma falta de esperança desesperadora. Estava sozinha com suas introspecções. A superficialidade das pessoas não a acolhia. Sua vontade de caminhar o mundo com as próprias pernas podada pela violência exposta constantemente na televisão. O remédio para suportar o peso do vazio era compartilhar, de ouvido, a dor interpretada por Way.


4 anos se passaram até o lançamento do último álbum. Durante este tempo, a fã adquiriu muito mais do que uma coleção fonográfica completa para furtiva demonstração de poder aquisitivo não-pirateado. Ela descobriu a luz de suas perguntas encarada nos olhos das verdades universais. Enxugou as lágrimas provocadas pela falsidade humana. A idade de sua face pouco lhe importava. A idiotice dos adolescentes visível dos 8 aos 80 anos. A vida com prazo de validade, o palco preparado para as diversões existenciais. Escrever é preciso, viver não é preciso.

A gravidade terrestre não significava tanto. O conflito subjetivo superado. Os valores de antes permaneciam em transformação. O coração à prova de balas para buscar os sentidos humanos imperecíveis diante da nova geração nada, os vícios da compulsiva sociedade de consumo e a massa acrítica escrava das sensações da mídia. Proteção com armas em punho, porque o amor conclamado em letras legíveis está sem ação no papel. A internet tampouco virtualizou virtuosa e veloz a compreensão entre os humanos globalizados. Elena deixou para trás a criança de ontem. Que bom ouvir que não estava sozinha nessa empreitada. E continuou a traçar seu caminho.