sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

S.O.S.: Senhor Observando Solidão



“Aqui me despeço e tenho por plenamente ensinado o teu ofício,
que de ti mesmo e em púrpura o aprendeste ao nascer.”
Carlos Drummond de Andrade


Sem claustrofobia criativa, os dois pintores foram ver o dia dourado, azul e quente lá fora. Larissa preenchia o céu. Faltava um terço para terminá-lo. Com um pouco de fé, acabaria com ele, o fundo implantado por sua angélica árvore de tinta acrílica. O quadro branco de Michael ficou pronto em 4 segundos.

– Ei, seu louco! Você acabou com a minha blusa! Eu mereço amigos pirados mesmo...

– Uh, Lalá! Você se tornou minha obra-prima! Tenho que admitir que nunca antes na história eu havia pincelado de forma tão precisa, determinada e vermelha em único movimento! Adoro!

– Não me diiiga? Sério Mike? Você me chamar de Lalá desde a vitória do Lula na presidência, tudo bem. Acredito que este apelido se tornou uma espécie de mantra artístico positivo para mim. Mas não justifica você pintar de vermelho minha blusa branca de laise rendada! Eu gastei horrores com ela!!!

– Tsc, tsc... Estressadinha! Eu fiz um bem para você. Acorda para a vida, flor! Está faltando isso em sua arte!

– Isso o quê?

– Está faltando vida, Lalá! Você jura que sugar a vida de uma árvore e colocar na tela limpa e seca com esse azul turquesa pavoroso de fundo tá fazendo arte de verdade? Se for para retratar a realidade plasticamente assim, seja transparente consigo mesma, e aprenda a bater uma fotografia!

– Mike, Mike... Sempre querendo dar uma de modernete. Essa sua tendência conceitual é ridícula! Até meu sobrinho de 3 anos supera você!

– Duvido que ele não esteja ainda compreendendo cognitivamente o vasto mundo ao redor dele. O que fiz em sua roupa foi me expressar. Doar simbolicamente meu sangue na extensão do seu corpo. Pare de idealizar o céu, Lalá, pois ele é ilusioramente azul. As noites por si só comprovam isso.

Michael observava a visita amiga. Não sabia decifrar suas expressões, porém tinha impressão da profunda tristeza esboçada no rosto dela.

– Enquanto me limitava em não misturar o vermelho com o azul, Lalá, eu nunca pude enxergar a intensidade da cor púrpura. Eu suponho que você não está entendendo o que eu quis dizer tanto quanto não entendo do porquê do meu ego doentio até hoje não doar literalmente meu sangue para salvar alguma vida.

– A gente se preocupa demais com os nossos próprios problemas, Mike. Eu gostaria de não tê-los, pois estão em um nível insuportável. Minha saúde não é plena, sinto dores que nem a minha alma sabe explicar em gravuras. Sinto-me muito sozinha.

– Se isso dependesse só de mim... Já me conformei que meu corpo é imperfeito e se deteriora a cada dia que passa. Marilyn Monroe, apesar da beleza, o que ela é hoje no Westwood Memorial Park? Restos mortais todos nós viraremos por mais artistas que sejamos.

– Você me ajuda muito pouco, Mike. Cada palavra sua me deixa mais desesperada. A sua companhia não me preenche. É sempre ausência! Que droga!

– Lalá, estou me esforçando ao máximo doar minhas energias para você melhorar. E a minha bateria ainda está no up! Porém, para a minha companhia ser digna, você tem que salvar a si mesma da solidão. O príncipe de sangue azul não vai vir lhe resgatar nessas horas. Se você leu isso na Branca de Neve, Bela Adormecida e afins, esqueça! Saia das ilusões e se joga pintosa! Vermelho com branco dá rosa, combinação mais tudo! E ainda combina com lilás...

– Ai, eu não nasci com sorte no amor, só pode ser isso. As comédias românticas são tragédias na minha real life.

– Gata, seja homem e mulher para você mesma! Não seja a donzela indefesa, pegue logo a espada e duele contra sua própria dor! Força na piruca e arrase! Tudo o que sentimos é criação.

– Mike, realmente eu não entendi nada. Vou terminar minha tela, já que a sua ficou instantaneamente pronta.

A cada matiz de azul, a idealização ficava mais forte e o sonho da mortal mais próximo da imortalidade e, ao mesmo tempo, distante da vida. A obra de Michael virou uma mancha sem sentido descartada para a caridade. Alguém agradecia solitariamente à Deus pela divina doação recebida.

3 comentários:

  1. Parabens
    Belo trabalho...
    Causa uma reflexão interna em cada um de nós.

    Parabens, meu amor

    Amo-te

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  2. Aplausos!!! =D

    Olha... Gostei demais do que li aqui!

    Surpresa boa, aparecer a dona de um blog tão bacana por lá no EscúchamePorra... =)

    Volte sempre! Eu voltarei aqui, com certeza!

    =*

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