Noite de quinta-feira. Céu parcialmente nublado. Sem risco de precipitações. Ora aparecia a Lua, ora desaparecia. Ora surgia a loira, ora sumia. Os dois irmãos e companheiros, ainda bem lúcidos, brindavam com boemia o fato central das boas novas.
Antônio Augusto, jornalista jovem e audacioso, ainda não estava acreditando: 24 anos e 11 meses, sua idade naquele tempo, para chegar ao cargo de editor. Tudo bem, o jornal não era o mais famoso do país, mas circulava a cada dia em todos os setores da sociedade brasileira para ser o número 1 em vendagem. Venda e qualidade nem sempre são pesos da mesma moeda, depende muito da visão e ambição do empreendedor. Por hora, o comunicador comemorava a promoção de chopp, apesar de não estar no ponto ideal de temperatura.
Cruzou a rua, carregando sua arte de latinhas, alguns diriam lixo, outros de sustentabilidade. Luxo, palavra esdrúxula. O homem de veste simples, o rosto marcado pelas agruras da cidade sem territoriedade, fazia do chão apropriação temporal dos pés nômades em pleno século XXI.
O cidadão, se é que poderia chamá-lo assim, dirigia-se sorridente entre as mesas, vendendo suas obras, vivendo entre esmolas. Chegou à mesa dos festivos irmãos, pelo visto, de potenciais clientes. Dinheiro os dois mostravam que tinham para gastar com bebida em plena quinta-feira.
Fui com a cara desse indigente, o jornalista assim interpretava o sujeito em pé a sua frente. Tentou pechinchar o produto, achou divertido o cinzeiro feito de lata de refrigerante sabor coca. E quando mais barganhava, outros valores começavam a surgir. Seus olhos vislumbravam alguns possíveis prêmios de jornalismo por meio daquele personagem marginalizado. O mundo paga e consome bad news.
Já instalado na mesa, o cidadão das ruas se sentia lisonjeado com tamanha oferta de atenção cedida à sua simplória pessoa. Antônio Augusto anotava na mente a riqueza de experiências daquele pobre senhor. Ouvia suas origens, seus destinos e desatinos. Soltava algumas palavras em inglês, cantava em espanhol hermoso.
O cinzeiro, minutos depois, foi presenteado ao pechincheiro para surpresa do mesmo. Como esse homem poderia se abdicar do pouco que tem com tanta alegria? Não lhe entrava na cabeça o desapego material desse cidadão. É loucura demais, tenho que questioná-lo o porquê.
– Ei, moço! Eu gostei do cinzeiro, mas eu quero pagar por ele. Por que você vai me dá-lo se precisa de dinheiro para sobreviver?
– Ah, dinheiro é o de menos, amigo! Latinha se vê aos montes nas ruas, dá para catar fácil. Até tenho o suficiente para pagar minha caninha. Eu não preciso mais do que Deus me deu para contar meus causos para quem quiser escutar e tocar a vida. O bom já nasce pronto.
O jornalista, às 9 e 18 da noite, em uma das mesas do bar frequentado por personalidades intelectualizadas, acadêmicos pós-modernos, pseudos cults em geral, ficou impressionado com a sabedoria desprendida por aquele indivíduo de sorriso fácil, apesar das circunstâncias. Ia de encontro, de encontro mesmo, tipo ônibus que colide com muro de escola e deixa 6 crianças mortas, com toda as suas leituras de mundo adquiridas pelos seus 24 anos e 11 meses. Aquele cidadão deixava insustentáveis as ideias difundidas por Sartre. Onde está o tornar-se a ser? Não existia o tornar-se, aquele mestre da atualidade sem nome, inominável, era o próprio tornado, e contraditoriamente, sem fúria.
Antônio se sentiu impotente. Estendeu a mão para segurar o presente do artista urbano. Para não perder a compostura, com humildade e modesta atitude, o rapaz ofereceu, em troca, uma caipirinha por sua conta. O senhor aceitou de bom grado para brinde de todos.
Anos se passaram. O editor nunca mais vira o homem que cruzou a rua, carregando sua arte de latinhas. Na mesa de redação, o cinzeiro jamais usado. A história nunca apagada pela periodicidade dos fatos.
Antônio Augusto, jornalista jovem e audacioso, ainda não estava acreditando: 24 anos e 11 meses, sua idade naquele tempo, para chegar ao cargo de editor. Tudo bem, o jornal não era o mais famoso do país, mas circulava a cada dia em todos os setores da sociedade brasileira para ser o número 1 em vendagem. Venda e qualidade nem sempre são pesos da mesma moeda, depende muito da visão e ambição do empreendedor. Por hora, o comunicador comemorava a promoção de chopp, apesar de não estar no ponto ideal de temperatura.
Cruzou a rua, carregando sua arte de latinhas, alguns diriam lixo, outros de sustentabilidade. Luxo, palavra esdrúxula. O homem de veste simples, o rosto marcado pelas agruras da cidade sem territoriedade, fazia do chão apropriação temporal dos pés nômades em pleno século XXI.
O cidadão, se é que poderia chamá-lo assim, dirigia-se sorridente entre as mesas, vendendo suas obras, vivendo entre esmolas. Chegou à mesa dos festivos irmãos, pelo visto, de potenciais clientes. Dinheiro os dois mostravam que tinham para gastar com bebida em plena quinta-feira.
Fui com a cara desse indigente, o jornalista assim interpretava o sujeito em pé a sua frente. Tentou pechinchar o produto, achou divertido o cinzeiro feito de lata de refrigerante sabor coca. E quando mais barganhava, outros valores começavam a surgir. Seus olhos vislumbravam alguns possíveis prêmios de jornalismo por meio daquele personagem marginalizado. O mundo paga e consome bad news.
Já instalado na mesa, o cidadão das ruas se sentia lisonjeado com tamanha oferta de atenção cedida à sua simplória pessoa. Antônio Augusto anotava na mente a riqueza de experiências daquele pobre senhor. Ouvia suas origens, seus destinos e desatinos. Soltava algumas palavras em inglês, cantava em espanhol hermoso.
O cinzeiro, minutos depois, foi presenteado ao pechincheiro para surpresa do mesmo. Como esse homem poderia se abdicar do pouco que tem com tanta alegria? Não lhe entrava na cabeça o desapego material desse cidadão. É loucura demais, tenho que questioná-lo o porquê.
– Ei, moço! Eu gostei do cinzeiro, mas eu quero pagar por ele. Por que você vai me dá-lo se precisa de dinheiro para sobreviver?
– Ah, dinheiro é o de menos, amigo! Latinha se vê aos montes nas ruas, dá para catar fácil. Até tenho o suficiente para pagar minha caninha. Eu não preciso mais do que Deus me deu para contar meus causos para quem quiser escutar e tocar a vida. O bom já nasce pronto.
O jornalista, às 9 e 18 da noite, em uma das mesas do bar frequentado por personalidades intelectualizadas, acadêmicos pós-modernos, pseudos cults em geral, ficou impressionado com a sabedoria desprendida por aquele indivíduo de sorriso fácil, apesar das circunstâncias. Ia de encontro, de encontro mesmo, tipo ônibus que colide com muro de escola e deixa 6 crianças mortas, com toda as suas leituras de mundo adquiridas pelos seus 24 anos e 11 meses. Aquele cidadão deixava insustentáveis as ideias difundidas por Sartre. Onde está o tornar-se a ser? Não existia o tornar-se, aquele mestre da atualidade sem nome, inominável, era o próprio tornado, e contraditoriamente, sem fúria.
Antônio se sentiu impotente. Estendeu a mão para segurar o presente do artista urbano. Para não perder a compostura, com humildade e modesta atitude, o rapaz ofereceu, em troca, uma caipirinha por sua conta. O senhor aceitou de bom grado para brinde de todos.
Anos se passaram. O editor nunca mais vira o homem que cruzou a rua, carregando sua arte de latinhas. Na mesa de redação, o cinzeiro jamais usado. A história nunca apagada pela periodicidade dos fatos.
Como posso chamar teu trabalho?! a não ser pelo nome Fascinante... Deslumbrante, Impressionante...
ResponderExcluirAmor, tenho tanto orgulho de te, de seus belos trabalhos.
Tu es muito linda e talentosa.
Meus Parabens
Amoo-te Muito
bjao
Marielle! Que texto legal! Bem escrito, bonito e propõe uma reflexão muito interessante!
ResponderExcluirParabéns!
Mari, adorei o texto! Confesso que li duas vezes pra pegar direito algumas partes, mas adorei a reflexão à qual você se propôs, e que fica mais evidente nos parágrafos finais. Como a vida nos prega peças nos momentos mais inesperados, né? às vezes eu sinto como se todo conhecimento verdadeiro estivesse livre no mundo, e não preso em livros ou sabedorias prontas. As pessoas têm tanto a ensinar... Parabéns, muito bom!
ResponderExcluirDe carona com o pessoal aqui, quero falar que o texto me fez pensar numa coisa. Quantas pessoas simplesmente estão por aí, com um potencial e a maioria delas com uma carga intelectual tão grande e "jogadas", à margem da sociedade? Tenso, não? Ainda mais quando, muitas vezes, evitamos ver eles. Fingimos que não os vemos. Cargas de mentiras que aprendemos - mentira ou precaução? - afirmando serem bandidos etc. Então, nos afastamos. Como se fôssemos melhores. Ah, o velho orgulho.
ResponderExcluirObrigada por todos os comentários!
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