Projeto discute ideia de que funk seria o último grito do feminismo - http://migre.me/eaKoZ
Com
essa manchete, eu me fiz o auto-convite de dialogar sobre essa notícia e com o
que eu vi ao vivo, a cores e na minha presença ontem, quarta-feira, 17 de abril,
Goiânia. Roberto da Matta.
Para
quem ainda não sabe, Roberto DaMatta é brasileiro de Niterói, cidade do Rio de Janeiro, e
nasceu em 29 de julho de 1936. Atualmente ocupa a cátedra Reverendo Edmund P.
Joyce. C.S.C., de Antropologia da Universidade de Notre Dame e é também
professor titular licenciado sem vencimentos do Departamento de Antropologia da
Universidade Federal Fluminense. Quanto a sua titulação acadêmica, para sermos
breve, ele é mestre e Ph.D pela Universidade de Harvard. Também participa e
realiza inúmeras conferências em todos os grandes centros de pesquisa e ensino
de Antropologia Social da América, da Europa e da Ásia. Se tratando de lugares
em que foi conferencista, DaMatta já passou em: Universidade de São Paulo,
Campinas, Rio de Janeiro, Harvard, Yale, Princeton, Johns Hopkins,
Florida-Gainesville, Pittsburgh, New York, Columbia, Washington, Chicago,
Illinois, Michigan-Ann Arbor, Cambridge, Londres, Oxford, Lima, Buenos Aires,
Cairo, Berlim, Uttrech, Stockolmo, Tóquio, Seul, Oslo, ..., e, para a nossa alegria, também em Goiânia, no
evento Café de Ideias.
Para
o padrão acadêmico que temos observado atualmente no Brasil, onde muitos academicistas
se propõe a conversar somente com ele mesmo e entre seus iguais acadêmicos,
esse breve currículo de DaMatta, intelectual de reconhecimento internacional e
um dos poucos grandes nomes da intelectualidade brasileira, já estaria de bom
tamanho. Porém, este doutor vai além dessa limitação acadêmica: ele tem uma
formação verdadeiramente intelectual.
O
que eu quero dizer com isso? Quero dizer que ele pensa de forma sincera e
autêntica, com um olhar sensível, crítico, reflexivo e, sobretudo, atento aos
fenômenos sociais e às transformações do mundo, o que envolve cultura,
política, cotidiano, comportamento de nós, seres humanos inseridos neste ‘entre-lugar’
de contextos, historicidade material e imaterial. Assim, DaMatta tem muito mais
que o suficiente para o exercício intelectual: a sensibilidade para compreender
a verdade universal do que é o ser humano, a essência que nos constitui. Assim,
além de várias obras em livros, fundamentais para se pensar a realidade social e
sociológica do Brasil, como Carnavais, Malandros e Heróis: Para uma Sociologia
do Dilema Brasileiro; O que faz o brasil, Brasil?; Casa e a Rua: Espaço,
Cidadania, Mulher e Morte no Brasil, dentre outros, Roberto DaMatta tem
centenas de artigos, publicados semanalmente nos jornais O Globo e Estado de S.
Paulo.
Alguns
críticos e jornalistas alegaram que o bom-humor do professor DaMatta foi o
ponto alto da palestra. Mas também como não rir do lugar caótico que se
encontra a ética, a moral, as práticas, as estruturas físicas e intelectuais do
Brasil? Ao ouvir as perspicazes conversas de DaMatta, nós – o público – sentíamos em verdadeiro processo catártico. É
tanta tragédia neste Brasilis que DaMatta agia como o nosso psicólogo social e
a gente ria das incoerências íntimas da sociedade e de nós mesmos. Nossa confissão ativa por
meio do riso mostrava o que somos e o que não queremos ser: trágicos. O riso,
pelo jeito, é outro jeitinho do povo brasileiro ultrapassar e conviver com a
visão da adversidade e poder coexistir nela.
Em
uma parte da palestra, o intelectual alfinetou a academia pela questão dela
querer ser tão acadêmica que deixa de se propor a reflexão social da própria sociedade.
E ele falou assim: “Um país que não tem política não tem sangue. Uma academia
que fica fechada só nela mesma também não tem sangue. Eu não aceito ser um
intelectual que só se direcione a um público acadêmico. Nestes moldes, eu não
aceito ser um intelectual da academia”. Então, para contrapor a ignorância
do povo que concorda em desvalorizar a cultura dos morros cariocas, do futebol,
do Sertão, do funk, do samba, do negro, do branco, do índio, da multietnia, por
exemplo, é que se faz necessário entender de forma epistemológica o que é mesmo
o Brasil, o que nos constitui como brasileiros, como nação.
Por
isso, o Brasil tem cara de Valeska Popozuda também, ou será que a gente vai
ainda negar esse outro quando vemos as mulheres (irmã, tia, amiga, colega de
trabalho, colegial, universitária, ou qualquer outra forma de contato com este
gênero feminino) que adotam este estilo de conduta, roupa, cultura e lógico,
música, do que hoje é comum se chamar “piriguete”? Como o hit que fez Valeska
se popularizar na mídia brasileira, o refrão que ela canta ainda hoje é o grito
consciente ou inconsciente de liberdade para muitas mulheres quando vão sair
para qualquer balada, seja rock/jazz/blues: “De, de sainha. / Agora eu sou
solteira e ninguém vai me segurar. / Daquele jeito!”. Então, por que temos que
negar o que faz parte da cultura brasileira?
É
a partir de um intelectual desta estirpe que nós, universitários, nos sentimos
animados e motivados a continuar estudando, fazer pós-graduação e tudo o mais.
Não pela razão de ostentação de títulos, o que torna tal prática vazia e rasa, mas
para buscar, produzir, pesquisar o mais profundo conhecimento. E, ao buscar também a
minha voz, quero de fato estudar e escrever tão apaixonadamente como o DaMatta
relatou que é sua experiência com a leitura e a escrita. Isso para mim seria o princípio
do suficiente na minha vida...
Escrever
para descrever com reflexão o que somos. Ler para apreciar o que somos. DaMatta
é contra e eu também NÃO ACEITO aquilo que vive sem ter sangue, porque um
conhecimento assim e que continua a existir só pode ser configurado em:
conhecimento de zumbis. E eu NÃO ACEITO isso. Aquilo que se proponha a me
tornar antiquada e quadrada, lugar de um exercício acadêmico autista: estou fora.
Mudança cultural é o meu foco. E não me importo em continuar estudando, escrevendo,
noticiando, engajando. Mesmo que os resultados demorem a aparecer, o pouco que
eu conseguir vai ser lucro! Tenho consciência disso, em um Brasil onde o povo
mal sabe interpretar o que estou escrevendo agora.
Eu
também NÃO ACEITO toda essa cultura da corrupção no Brasil. NÃO ACEITO a
desculpa de que somos assim por causa dos portugueses, por causa da
escravatura, por causa dos índios e etc, que acaba nos acomodando neste estado
atual de declínio ético, desigualdade, precariedade na infraestrutura e tantas
outras mazelas. Como Roberto DaMatta afirmou quando questionei ele, o Brasil
tem que DIZER NÃO ao que nos faz desiguais, antiéticos, antidemocráticos e
retrógrados. E o que é esse DIZER NÃO? É um de nossos jeitos para a gente – nós,
brasileiros – SUPERAR o que não queremos que nos represente. DIZER NÃO é
posicionamento político. O Brasil precisa DIZER NÃO!
Ps.: Para
finalizar este texto, deixo para você de presente a música na voz do nosso brasileiríssimo
Ney Matogrosso, e escrita pelo multiartista Arnaldo Antunes: “Somos o que
somos. Somos o que somos. INCLASSIFICÁVEIS.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário