sábado, 5 de junho de 2010

Transparentes entrelinhas

Estar em alguns lugares, mesmo ausente, tem muitas vantagens. Acredito que não ouviria essas confissões na igreja. Dizer o pecado praticado qualifica a cena feita. Mas, uma consciência do tipo autêntica predica morais particulares.

Juan nunca disse à mulher a qual namorava a sete meses que no dia em que ele fosse promovido ao cargo de chefia, o romance acabaria. Madrid não é um lugar para morar com Pilar. Na verdade, ele nunca pensou em casar com ela.

Mas, enquanto, as coisas não aconteciam, a vida ia seguindo sem muitas significativas mudanças. Pilar vai contando para as amigas o quanto é feliz por ter um namorado como Juan, ele, por sua vez, alimenta o sonho de alguém por pura vaidade. É sempre bom ter uma pessoa que faça as vontades alheias de bom grado. Ela é linda, já está ótimo para que possam desfilar juntos nos shoppings e chopps, deixando os amigos com pontadas de inveja.

Três meses depois. As malas, aos poucos, estavam sendo preparadas. Uma semana antes da despedida definitiva. As melhores palavras eram escolhidas para finalizar o happy end como manda o figurino.

O recém-promovido foi à casa da namorada para conversar. Coisas simples. Explicar que tudo tinha sido bom e bonito entre eles, que foi eterno enquanto durou. E o casamento, que eles tanto planejaram, então, não teria mais como se realizar, porque é difícil conciliar carreira e família ao mesmo tempo. Madrid é uma oportunidade única. Ou seja, Juan não falou com todas as palavras, mas no subentendido dizia: “Mulheres sempre estão em oferta”.

Pilar ouvia todo o ensaio de Juan de forma tranquila. Uma cara de complacente, como costuma ser a expressão das mocinhas de novela, algo que beira a uma doçura que de tão doce se torna enjoativo. O rapaz via a reação da moça meio perplexo. Ele esperava pelo menos umas lagriminhas de leve.

No fim, os preâmbulos do beijo de despedida, seguido de uns versos fabricados a partir de um filme ou música, vai saber: “Pilar, aonde quer que eu vá, vou lembrar de tudo o que você foi para mim”. Juan abraçou a mulher com antecipadas saudades, verdadeiras mesmo. Nessa hora, ele percebeu que apesar do premeditado e chegado momento, não esperava que, no final de tudo, iria sentir uma forte ligação com a mais nova ex-namorada.

Depois do abraço, a moça se desvencilhou de Juan de forma natural, já chegando para a cena do último ato. Beijou o rosto dele, sorriu transparentemente alegre, acenou com a mão o “tchau”, voltou para a casa dela.

O rapaz queria voltar para a casa dela também. Era a hora da partida, mas aquele desfecho não foi o imaginado. O beijo compartilhado não aconteceu. Ele nem tinha transferido a sensação de nostalgia para Pilar e, assim, ficava com isso sozinho para si mesmo.

Juan não sabia. Pilar, mesmo com o fim do namoro, se sentia feliz. Entendia a situação, queria muito o bem dele e desejava, no fundo do seu coração, felicidades na nova empreitada daquele bom homem cheio de qualidades. Com ele, adquiriu experiências que a tornaram mais madura. Ela se sentia agradecida. Pilar já estava em outro relacionamento amoroso.

2 comentários:

  1. Adoro as entrelinhas.
    Principalmente quem as compreendem.
    Mas, às vezes, elas nos cortam e decepcionam muuito.

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  2. Olá! Como havia prometido, segue o link do blog sbre o qual te falei: http://lapisderomova.wordpress.com/
    Os textos são muuuuitos bons! Boa leitura!

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